Holocausto - No dia em que Deus foi dormir





No dia em que Deus foi dormir é uma obra de Sammy Pulver, um judeu romeno, da cidade de Iasi. Entre as atrocidades cometidas e iniciadas em 29 de junho de 1941, sobrevivera ao Corredor Polônes, ao Trem e a Marcha da Morte.


Em uma narrativa inflamada conta-nos tudo que vivenciou naqueles dias de angústia, sofrimento e dor. A história é explícita, e não há meias palavras. É necessária uma certa frieza além, é claro, de um estômago forte. Boa leitura!


Prévia do livro:

"Mais mortos surgiam a cada passo. Havia um pendurado de cabeça para baixo, outro com os membros do corpo totalmente arrancados, outro completamente nu e com cortes terríveis pelo tronco. Casas ardiam e uma fumaça negra penetrava na garganta e nos olhos. Tremia e tinha contade de vomitar. Queria gritar, mas de minha boca somente saíam soluços e gemidos.

(...)

Com a respiração suspensa, vi o monstro antediluviano a balançar, precipitando-se sobre nós, passando perto de mim qual ciclone de fogo.

Foi a própria reprodução de um cataclisma, numa orgia de morte e destruição. O que vi e ouvi naqueles momentos, o apocalipse daqueles momentos, o ulo dos atingidos pelas toneladas de aço enquanto procuravam inutilmente escapar, o esmigalhar dos membros que se retorciam, o respingar do sangue que nos salpicava qual chuva de infernos e que saía aos borbotões dos corpos amassados, o terrível estertor dos esmagados mas ainda vivos, jamais poderá ser esquecido.

(...)

As ruas centrais achavam-se cheias de cadáveres e a maioria deles tinha as bocas quebradas num ríctus de inferno: os vândalos haviam-lhes despedaçado as bocas à procura de dentes de ouro e este foi um dos motivos da morte de centenas e centenas de judeus da cidade de Iasi.

Cadáveres foram esquartejados e pendurados nos açougues com um cartaz: "carne de judeu!"

(...)

E antes de se morrer, perdia-se a lucidez mental.

Um mostrava o pulso, dando as horas num relógio inexistente.

Num canto, sentado em cima de um cadáver, um entoava uma conhecida canção romena, bem alegre, que descrevia as delícias do vinho romeno.

Um pedia continuamente polenta com queijo, comida tipicamente romena.

Mais no fundo, alguém conversava animadamente com membros de sua família que não existiam.

Muitos soluçavam perdidamente.

As mulheres, ainda em vida, olhavam fixamente, sem emitir um som sequer.

(...)

Perdi completamente a noção do tempo e do espaço. Não tínhamos idéia das horas e, na eternidade do nosso sofrimento, perguntava-me sem parar: e agora? E agora Deus nosso, o que nos acontecerá mais? Deus meu, quanto tempo ainda resistirei?

(...)

Dos 160 do meu vagão, saímos com vida, 19. No nosso comboio haviam sido embarcados cinco mil judeus distribuídos, 200 mais ou menos, em cada vagão. Nosso destino foi a pequena localidade de "Podul Iloaiei" (a Ponte de Elena). Mas somente parte deste comboio ficou nesse vilarejo e quando as portas se abriram, constatou-se a morte por asfixia e sede de mais de duas mil pessoas e o nosso "passeio", que havíamos imaginado ter levado não mais de um dia, durara dois dias e uma noite num sofrimento inimaginável."

(...)

E quando pela primeira vez olhei-me no espelho, assustei-me: sem a barba e de certo modo mais asseado, vi-me agora bem mais maduro, bem mais envelhecido. Não podia tirar os olhos do espelho: onde estava o rapazinho que havia iniciado seu martirológio naquele 29 de junho? Magro, abatido, meu rosto evidenciava o amargor e desilusão que me dominavam. Alguma coisa não mais existia em mim: a confiança no ser humano, a confiança nos sentimentos de amor, e, mais especialmente, a confiança na Humanidade.


Sonhos? Planos? Futuro? Quimeras apenas...

(...)

O que mais magoava, o que mais nos transtornava, o que nos enlouquecia, era ver os romenos, tanto civis quanto militares, muito mais diabólicos em seu ódio aos judeus que os próprios alemães.

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