Júlio César Burdzinski
Pseudo-conhecimento
Se os diálogos platônicos estão mais próximos de ser uma exposição literal das palavras de Sócrates, ou uma criação filosófica e literária de Platão, não é importante aqui. O que importa é que Sócrates nos aparece como alguém que busca o conhecimento, alguém que questiona os supostos sábios sem se considerar sábio ele mesmo.
É a esse caráter ao mesmo tempo crítico e despretensioso de Sócrates que a sentença “Só sei que nada sei” se refere: crítico em relação ao suposto conhecimento alheio; despretensioso em relação ao que ele próprio conhece. Pois um conhecimento que não se sustenta diante da investigação racional não é de fato um conhecimento. É apenas algo que se parece com o conhecimento sem de fato o ser. É um pseudo-conhecimento.
É a esse caráter ao mesmo tempo crítico e despretensioso de Sócrates que a sentença “Só sei que nada sei” se refere: crítico em relação ao suposto conhecimento alheio; despretensioso em relação ao que ele próprio conhece. Pois um conhecimento que não se sustenta diante da investigação racional não é de fato um conhecimento. É apenas algo que se parece com o conhecimento sem de fato o ser. É um pseudo-conhecimento.
Pseudo-ignorância
A ignorância — ou, se preferirem, a consciência de nossa própria ignorância — não nos é dada gratuitamente; a ignorância tem um preço. Não a ganhamos, a conquistamos. Pois ocorre que nos é muito mais natural crer do que duvidar. Nossa tendência é crer que as coisas de fato sejam como elas de início nos parecem ser. A dúvida acerca dessa aparência primeira pode surgir de diversos modos, e um desses modos é o modo filosófico. Neste caso, se trata de um esforço deliberado e metódico para colocar em questão as aparências. E este esforço não é fácil nem é simples.
É possível colocar em dúvida mesmo aquelas verdades mais evidentes e aparentemente inegáveis. Pensem, por exemplo, no gênio maligno de René Descartes — na suposição de que poderia existir uma criatura supremamente poderosa e malévola que tivesse por objetivo nos enganar inclusive a respeito daquelas coisas que nos parecem mais obviamente verdadeiras. Não raro, essa singular hipótese é tomada por uma simples brincadeira filosófica. Mas ela é muito mais do que isso: ela é uma alegoria de certas consequências dos limites e da natureza de nosso conhecimento. Quem comete este equívoco talvez ignore que a invenção de uma tal criatura pretende pavimentar o caminho da dúvida através de uma imagem sugestiva. E isto porque a dúvida, e em particular, a dúvida sobre fatos que nos parecem óbvios — fatos sobre a nossa própria existência, por exemplo —, não é gerada sem que empreendamos um diligente esforço para tanto. E o exercício da dúvida é o instrumento indispensável que nos permite eliminar os fragmentos de pseudo-conhecimento reunidos ao longo dos anos que atulham nossa mente. É o exercício da dúvida que nos permite alcançar a ignorância.
Enfim, o valor da ignorância é extraordinário. Defrontar a autêntica ignorância, único terreno sobre o qual o autêntico conhecimento pode ser erigido, é um empreendimento indispensável e virtualmente interminável. O mundo nos oferece constantemente ideias enganosas das quais precisamos nos depurar e essa depuração não é um trabalho do qual possamos dar conta sem esforço e método. Ter constantemente presente a necessidade deste trabalho e lembrar aos demais disto com uma persistência que beire a provocação — como o fazia o próprio Sócrates — pode ser uma boa maneira de se começar a filosofar.
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